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Exercício da balança para decidir entre duas profissões (ou mais)

jul. 01, 2019

Não precisei de teste vocacional. Saiba como eu desisti da minha vaga de Medicina usando uma folha sulfite.


Tempo de leitura: 8min


Fazem quase 10 anos que eu estive em apuros.

Na época, eu fazia um processo seriado para a Universidade Federal da minha cidade. E na época eu já era uma pessoa ansiosa. Lembro que eu estudava nas férias de Dezembro e Janeiro, entre um ano e outro, revisando a matéria do colegial; lembro que as paredes do meu quarto eram cheias das fórmulas que eu não decorava, de macetes de gramática e de letras de músicas sobre botânica; e lembro que eu me prometi que não precisaria sofrer com o vestibular como eu via as pessoas sofrendo, porque daria um jeito de passar pelo processo seriado* (esse era o meu nível de ansiedade).

* O Processo Seletivo Seriado é um tipo de avaliação realizada por algumas universidades, em que o aluno, ao invés do vestibular tradicional, faz uma prova ao final de cada ano do Ensino Médio, com os conteúdos aprendidos a cada ano.

Eu decidi fazer Psicologia na sétima série, porque amava os livros do Sidney Sheldon. Pra quem não conhece, era um escritor estadunidense de suspense. Motivo estranho, eu sei. Mas muita gente decide o que vai fazer da vida porque se identifica com alguma ficção. E acho que outros autores como Arthur Conan Doyle e Agatha Cristhie também devem ter reforçado minhas fantasias com relação à Psicologia... O fato é que eu seria psicóloga, e no futuro poderia trabalhar com crimes - a minha mente dizia -, e era para isso que eu estudava álgebra e a história da União Soviética.

Terminados os três anos do Ensino Médio, eu tinha uma boa nota geral no processo seletivo e confiança de que uma das vagas de Psicologia seria minha. Mas quando terminou aquele terceiro ano, veio a tragédia: a universidade determinou que o processo só valeria para quem vinha de escola pública, e esse não era o meu caso. 

Na mesma semana os diretores da escola marcaram uma reunião, pediram que eu viesse acompanhada dos meus pais. “Suspeito”, pensei, enquanto todos os meus colegas contratavam advogados para conseguir o direito de usar as notas das provas que fizemos. A escola, na verdade, queria me dar a notícia de que a minha era uma das melhores notas no processo, e que, por isso, eu deveria, além de também contratar um advogado, colocar Medicina como minha opção de curso, pois eu passaria.

Imagine a reação dos meus pais. Parecia que em segundos eles tinham ido até o paraíso, porque estavam com olhares distantes e sorrisos que iam de uma orelha à outra. “Medicina?”, eu pensei, “mas eu quero Psicologia, por que colocaria Medicina?”.

Hoje eu entendo que a escola estava pensando em seu status como grande aprovadora em Medicina, mas ainda fico impressionada com tamanha estratégia que aplicaram. E em questão de minutos, o mundo inteiro a minha volta começou a zunir na minha cabeça, dizendo que no processo seriado eu tinha que escolher “Medicina, óbvio”.

Como esse “óbvio” sempre vinha acompanhando, comecei a acreditar que todo mundo sabia de algo que eu desconhecia, e acontece que acabei fazendo o que todos queriam (com um advogado na minha cola), enquanto prestava o vestibular e secretamente colocava Psicologia ali como minha opção de curso. 

O primeiro resultado foi o de Medicina, para a qual eu passei em 16º lugar. É difícil descrever a reação da minha mãe quando viu a lista de aprovados junto comigo. Mas eu me lembro de ela olhar para mim e falar: “Nossa, mas nem um sorriso?”, e foi então que eu me dei conta de que eu não estava nem minimamente feliz com aquilo.

E o que aconteceu depois nem parece que foi comigo mesma, mas com outra de mim, como se eu observasse tudo de fora do meu corpo: a minha casa se encheu de gente, me sujaram com farinha, ovos e café, me levaram para a escola e lá fui obrigada a me ficar de joelhos diante de veteranos do curso de Medicina, eles zombaram de mim e me sujaram com uma tinta roxa, e estava todo mundo tão feliz, em um espírito tão comemorativo, que aquilo me fazia me sentir cada vez mais e mais distante de mim mesma. A escola me fotografou e me estampou como caloura de MED, e o dia acabou.

Pouco tempo depois, saiu o resultado do vestibular. Dessa vez eu mal me lembro de quem estava comigo enquanto abria a lista de aprovados para Psicologia, porque o que ficou na memória quando eu vi o meu nome foram aquelas lágrimas que encheram os meus olhos e aquele suspiro dizendo: “Ufa, consegui”. Dessa vez eu também recebi trote, também fui à escola, também encontrei veteranos do curso. Mas eu não me senti violentada, eu me senti finalmente INTEIRA.

Os dois meses que se seguiram foram muito sofridos. Todos insistiam muito para que no dia da matrícula eu escolhesse a vaga de Medicina, mesmo sem saber se seria permitido pela justiça que eu finalizasse o curso. Lembro de uma ocasião em que viajei com minha família para BH e, enquanto jantávamos na casa de uma tia, uma conhecida dela chegou, ficou sabendo da minha história, e também palpitou: “Só você sendo muito ingrata aos seus pais pra não fazer Medicina, né?”. Esse era o nível dos palpites que eu recebia. Eu parei de mastigar na mesma hora e fui correndo para o quarto, onde fiquei chorando até ter ânsias de vômito.

Meus pais não forçavam tanto a barra quanto as outras pessoas. Eles me apoiavam muito, inclusive nessa “brincadeirinha” do jantar, mas ficava claro pra mim qual era o desejo de todo mundo pra minha vida. Até que a data da matrícula chegou, e, já adoecida e muito magoada, eu confessei a eles que não AGUENTAVA mais aquela angústia, e foi quando meu pai disse: “Por que a gente não se senta aqui e escrevemos todas as possibilidades?”.

Naquela noite, meus pais me ajudaram a desenhar um esquema em uma folha sulfite. Esquema mesmo, com quadradinhos e setinhas, com todos os pontos positivos e negativos de se fazer cada curso. Hoje eu penso que gostaria de ter feito uma foto daquela folha, porque acho que ela deve ter sido a folha mais importante da minha vida.

O lado da Medicina estava meio vazio, meio minguado, e o lado da Psicologia estava cheio de rabiscos, de ideias e de vida. Que fique bem claro que não estou defendendo que um curso é melhor do que o outro, mas sim o significado daquele exercício pra mim. Naquela folha, naquela noite, eu pude ME ver, ME enxergar e me preocupar COMIGO. Todos os outros ficaram lá fora. 

Na sala de matrícula, lá na universidade, o rapaz ainda engasgou quando eu disse que a matrícula era na vaga de Psicologia, e foi lá fora confirmar com a minha mãe se era para abandonar minha vaga em Medicina mesmo. Minha mãe deu de ombros e disse: “Ela já desenhou”. 

Ainda hoje muitas pessoas criticam ou não entendem a minha decisão. Mas eu fiz um curso maravilhoso, tive um tempo excepcional na universidade, entendi como a Psicologia pode trabalhar com crimes, e hoje também sou (não por acaso) orientadora profissional.

Foi estudando Orientação Profissional que eu pude entender que o que eu fiz, lá atrás, naquela folha de papel, foi um exercício muito poderoso de escrita da minha história. Essa é só uma das técnicas que podemos usar no processo de orientação, e sei, por experiência própria, que faz MUITA diferença para entendermos os sentidos das nossas escolhas e o tamanho daquilo que queremos construir na nossa vida.

Entendeu a importância de colocar na balança?
Isis Graziele da Silva | CRP 06/142189

Psicóloga e orientadora profissional. Escolheu psicologia porque queria desvendar crimes. Mestre em Psicologia, especialista em Psicologia Jurídica. Tem experiência em consultório e cursinho pré-vestibular. Co-autora de "Pré-vestibular: práticas para psicólogos" e autora de "Porque fazemos selfies".

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